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Jason Prado

Eu também tive um sonho

Atualizado: 29 de ago. de 2018

Cinquenta e três anos depois daquele discurso com que Martin Luther King mudou a história, os cabelos brancos e a longa estrada me conferem o direito de dizer que eu também tive um sonho.


O sonho de algum dia me encontrar com o País do Futuro.


Nesse sonho as crianças seriam preparadas para a vida, para o amor, que é a condição básica da vida. Não para o mercado de trabalho.


No paraíso terrestre, as competições entre crianças não seriam estimuladas desde o berçário pelos próprios pais. Ganhar não seria o objetivo final dos jogos e brincadeiras. Vencer ou perder seriam apenas possibilidades do jogo. O percurso seria muito mais valorizado.


As crianças não seriam marcadas nem condenadas a carregar suas heranças sociais e geográficas para o resto da vida.


Periferia seria apenas um lugar longe do centro. Todos teriam cuidados médicos, desde o útero. Fariam os esportes que escolhessem, porque não haveria esportes de ricos nem esportes de pobres. Estariam todos ali, ao alcance da vontade. Estudariam em escolas idênticas, com professores igualmente preparados e dedicados, recebendo os mesmos salários, pelo mesmo tempo de trabalho que dedicassem aos seus alunos.


Não seriam necessários concursos, apadrinhamentos políticos, nem títulos. Do diretor ao servente, todos teriam preparo. Nada de merendas e aulas bichadas, preparadas de qualquer jeito.


A vivência contaria pontos para encaminhar as questões mais difíceis. Mas a idade não se tornaria instrumental de poder. Muito menos seria motivo para desprezo.


Mérito, avaliação, adaptação e inadequação seriam matérias de estudo. Jamais instrumentos de alijamento e exclusão. Nem para alunos, nem para professores.


Essas escolas seriam ricas de livros, brinquedos e computadores. Teriam aulas de arte, de filosofia, e também de números, de ciências e de tecnologias. Laboratórios explodindo com experimentos; não esses ambientes frios, promovendo a necrópsia do autoritarismo.


Educadores e orientadores se encarregariam de abençoar o casamento da curiosidade com a necessidade de aprender… O conhecimento brotaria espontâneo.


Cada área fecundaria o seu campo fértil pela sinergia entre vida e saber - ninguém estudaria pensando em fome, sobrevivência, renda e profissão. E ninguém seria condenado a uma escolha tão definitiva antes dos vinte e dois, vinte e cinco anos de idade.


Não haveria arte mambembe. Nem reluzentes doutores.


Todos ganhariam o suficiente para ter acesso à mais básica das necessidades - a dignidade. Nessa sociedade ideal não haveria lugar para assistencialismo, populismo, autoritarismo.


Nada de esmolas redentoras de consciência. Nada de aulinhas para remendos de roupa, nada de fuxico, renda e bordado de ponto em cruz.


Malabarismo no sinal seria uma expressão de arte e encantamento. Como pintar à beira do Sena; jamais uma questão de pão-nosso-de-cada-dia, e drogas-ao-anoitecer.


Embora todos crescessem com oportunidades iguais, construindo e consolidando suas diferenças, essa organização não se chamaria de socialismo, capitalismo, nem comunismo. Seria apenas uma sociedade de pessoas desprovidas de angústia. Da competição desenfreada. De sobrevivência a qualquer custo. De salve-se quem puder.


Criadas na irmandade, as pessoas pagariam impostos por consciência de responsabilidade. Não como fardo, ou confisco.


Seus filhos seriam ainda melhores do que todos nós imaginamos um dia: seriam mais confiantes.


E a assistência do Estado seria apenas para equilibrar os infalíveis desequilíbrios. Psicológicos, é claro, porque as sobras seriam divididas por compromisso dos indivíduos com o coletivo, e não por caridade. Jamais se prestaria a justificar ou a perpetuar a miséria.

Ainda acho que isto seja possível. O capital é mais forte que os capitalistas. A ciência é mais forte do que as corporações que a exploram. A natureza é mais forte que a Humanidade.

Haverá de chegar o dia em que todos terão acesso a tudo. Não teremos essas desigualdades abissais.


As pessoas sequer vão precisar exigir seus direitos, porque todos terão a dimensão da palavra. Sem essa baboseira de “humildade”, que só empurra para baixo quem sequer enxergou a claridade…


Não será no meu tempo. Quiçá dos meus filhos… Mas vai acontecer.


Assim como caíram por terra os preconceitos; assim como a ciência limita o campo da ignorância, quando menos estiverem esperando, de uma hora pra outra, a humanidade vai se dar conta de que não há outro caminho: ou nos tratamos como uma grande família, ou vamos partir para o tudo ou nada.


Comparada com a luta pela sobrevivência, o Jihad será uma brincadeira de criança.


Hoje sei que foi apenas um sonho. Sonhei isso de olhos abertos e construí meu caminho. Sinceramente, não sei se adiantou. Joguei o jogo possível.


Mas aprendi que se a maioria não entrar nesse jogo, o sonho ficará cada vez mais distante. Por isso quero te chamar. Comece você também a dar forma aos seus sonhos de um País do Futuro.


Publicado originalmente no Diário da Província, em agosto de 2016.

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