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Jason Prado

Medo de quê, Fanny Joly?


A escritora Fanny Joly, autora da série Quem tem medo?

A escritora recebeu Tatiana Milanez em sua casa, em Paris, em 2002, para essa entrevista publicada na edição MEDO do Caderno de Leituras Compartilhadas.

Com a colaboração de Ana Claudia Maia


Fanny Joly adora rir. Foi rindo que ela escreveu seu primeiro texto, um monólogo cômico para a irmã mais velha, a atriz Sylvie Joly. Isso foi há quase trinta anos. Hoje, aos 47, um marido e três filhos, a escritora continua se divertindo com o trabalho. Apesar da Licenciatura em Letras, Fanny confessa que sua formação não foi na universidade. Seu aprendizado foi no trabalho. Começou como redatora publicitária, uma profissão que, segundo ela, lhe ensinou a ser direta no texto, dado essencial na literatura infantil. Fanny também escreveu roteiros para o cinema e televisão, além de esquetes para o teatro. Mas o que mais lhe dá prazer são as histórias para crianças. Foram mais de 130 livros traduzidos em 14 línguas, entre eles a conhecida coleção Quem tem medo de. Nas paredes em volta de sua mesa de trabalho, vários desenhos de pequenos leitores. É nesta sala, num apartamento claro e confortável, a poucos metros da Torre Eiffel, em Paris, que Fanny Joly recebeu a repórter de Leituras Compartilhadas.


Leituras Compartilhadas: Os seus livros da coleção "Quem tem medo de" falam de medos infantis que parecem universais. Você acredita que existam medos que todas as crianças sentem em determinada idade?


Fanny Joly: Esta coleção é dirigida às crianças entre 3 e 8 anos. Nesta fase existem medos quase instintivos que encontramos em todas as crianças. Quando começamos a pensar nesta coleção, fizemos uma lista de medos. Escolhemos então doze temas que nos pareciam universais. Nós até fizemos um teste: perguntamos a algumas crianças quais os medos que elas tinham. Nós terminamos por escolher temas que nos permitiam uma história tranqüilizadora e engraçada. A idéia era mostrar o medo num contexto onde não haveria razão para que ele existisse, como medo de dragão, medo de rato, medo de escuro... Eliminamos os temas que falavam de coisas que realmente dão medo e que são perigosas, como, por exemplo, o fogo. A gente preferiu se concentrar em medos de conto de fada, quase míticos.


LC: E por quê escrever sobre medo? Quando criança, você tinha medo?


Fanny: Eu era muito medrosa, muito mesmo. Na verdade, eu não escolhi escrever sobre esse tema. Como na época eu já era uma autora mais ou menos conhecida dos editores, me propuseram fazer essa coleção em torno do medo. E como de fato eu era muito medrosa, quando criança, achei a ideia interessante e me deu vontade de fazer.


LC: Hoje em dia a educação infantil se preocupa em ajudar as crianças a perder o medo. Mas antigamente o medo era utilizado como método de educação, como, por exemplo, “tem um monstro no seu quarto que vai te pegar se você não dormir”. Você acredita que muitos medos infantis foram criados pelos adultos?


Fanny: Usar o medo da criança como método de educação - entre aspas - ou como meio de obter o que se quer como o exemplo que você utilizou, eu acho que é algo realmente nocivo. Para mim, o medo é um elemento muito negativo no dia-a-dia. Ele nos impede de ir para a frente, nos bloqueia, nos freia, nos faz andar para trás. Acho, então, que é um elemento que deve ser combatido. É verdade que hoje em dia nós, adultos, temos razão de ter medo. A mídia nos submete a uma enorme quantidade de notícias, nós somos bombardeados de imagens que nos transformam, é difícil lidar com tudo isso! Mas se eu tivesse que escrever, por exemplo, “Quem tem medo de sequestro?”, num contexto onde isso pode acontecer, não sei o que faria… Porque o que as crianças amam nessas histórias sobre o medo é que elas se sentem tranquilas. O fio condutor da história é “você tem medo de rato?”, “mas o rato não vai te comer!”, “você tem medo de aranha?”, “mas, olha, a tua avó pega a aranha com a mão…”. É esse tipo de coisa que tranquiliza, mas é verdade que com um sequestrador, por exemplo, você corre o risco de encontrá-lo, e vai ser horrível!


LC: Os seus livros são sempre engraçados, bem humorados. Você acredita no riso como arma contra o medo?


Fanny: Ah, sim! Eu acredito no riso como arma contra quase tudo no mundo. Contra medo, rir é uma arma fantástica. Quando você está com medo e alguém te faz rir, o medo se desfaz imediatamente. De qualquer maneira, eu sou uma pessoa que adora rir, e todos os meus livros têm um tom humorístico. Nessa coleção eu escolhi um estilo diferente. De todos os livros que escrevi, os livros Quem tem medo são os únicos nos quais falo com a criança na segunda pessoa. Geralmente nos livros para crianças a narração é feita na terceira ou na primeira pessoa. Nessa coleção eu escolhi falar diretamente com a criança. Ela é o herói da história. Quando o medo aparece de repente, ela se identifica ainda mais, ela está dentro da história. E o que acontece no livro, acontece com ela também. E eu acho que esse estilo funciona muito bem. Eu encontrei muitas crianças que leram esses livros. Na França eles foram publicados há dez anos (N.R.: no início dos anos 1990), então tive a oportunidade de encontrar muitas crianças e professores que me disseram que o texto na segunda pessoa fala diretamente às crianças, funciona.


LC: Muitas crianças são reprimidas quando têm medo. Alguns pais dizem aos seus filhos que medo é uma fragilidade. Você acredita que é importante sentir medo?


Fanny: Eu não acho que temos que eliminar o medo e sim tentar compreendê-lo e superá-lo. Tentar entender o porquê, se o medo tem razão de existir naquele momento. O fato de não termos medo não significa que está tudo bem, mas o importante é tentar ir em frente, superar esse medo. É uma etapa do crescimento, da maturidade. É bom poder falar.


LC: Você acha que a série sobre o medo terminou ou acha que daria para escrever mais alguns livros sobre esse tema?


Fanny: Eu acho que acabou. Para mim a ideia original dessa coleção foi há dez anos. Ela foi criada num grande formato, depois relançamos a coleção num formato menor, mas não escrevi livros novos, ficamos com os doze temas. Foram os doze estabelecidos inicialmente. Aliás, o mais difícil para mim foi escrever o livro Quem tem medo do mar?. É verdade que existem crianças que têm medo da água e é verdade que depois que aprendemos a nadar perdemos esse medo e que no mar tem peixinhos. Mas, ao mesmo tempo, o mar pode ser perigoso. Quando eu te dizia que o fogo pode ser perigoso, o mar também pode ser perigoso, então não foi muito fácil. Foi o tema mais difícil de ser tratado.


LC: E como foi que você achou a solução para falar de um tema difícil?


Fanny: Para mim a melhor solução seria não ter que escrever sobre o mar. Eu não gosto da ideia de ter que dizer: “não precisa ter medo do mar”. Por outro lado, o livro sobre o monstro, por exemplo, foi fantástico escrever, porque monstros não existem! É ótimo poder dizer no final da história: “os monstros são ótimos, mas felizmente não existem, só nos livros”. Sobre os extraterrestres, como eu não acredito neles, adorei poder contar uma história delirante e saber que nunca vamos encontrar um. Houve uma ideia de fazer “Quem tem medo de ladrão?” - parecido com a ideia do sequestrador de que falamos agora há pouco -, mas decidimos não incluir esse tema, porque no nosso espírito seguro e engraçado, não cabia…


LC: Hoje em dias as crianças enfrentam o medo do dia-a-dia: medo de terroristas, medo de bomba… Você acha, no entanto, que elas ainda têm medo de monstros e bruxas?


Fanny: Sim, porque há um prazer de ter medo, que é o medo com o qual podemos brincar, sabendo que ele não existe de verdade. As crianças têm realmente medo quando vêem o noticiário com assuntos assustadores, mas elas adoram ter medo com os livros, com brinquedos… Elas brincam com o medo porque sabem que no fundo é mentira e que de alguma forma é um prazer ter medo. Quando estamos lendo, nossa vida não corre nenhum risco.

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