Uma mentira repetida mil vezes, torna-se verdade
Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda de Hitler
Há 22 anos, quando a humanidade caminhava para o terceiro milênio da era Cristã, a questão da leitura na escola deixou de ser assunto da cultura e passou a integrar a economia. Não a dita “economia criativa”, essa que trata da produção em baixa escala, a partir das artes e ofícios, mas a Economia maiúscula, aquela que trata da produção de bens e da Riqueza das Nações.
Foi quando a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) resolveu estudar a Compreensão de Leitura como fator de desenvolvimento das nações, realizando o maior trabalho de pesquisa e mapeamento educacional do mundo: o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), da sigla em inglês, realizado a cada 3 anos desde o ano 2000 com mais de cinquenta países.
Havia uma razão urgente para isso: as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) transformavam o mundo muito rapidamente, tornando obsoletos diversos conceitos sobre Educação, sobre Produção e, principalmente, sobre geração de riquezas.
Naquele momento (1998) o Brasil ostentava um título nada auspicioso, integrando o nefasto clube das dez nações com maior número de analfabetos absolutos do planeta. E assinava protocolos com a ONU, se comprometendo a erradicar essa mácula da sua história.
O resultado do primeiro PISA, publicado no último ano do governo FHC, chocou o mundo e mobilizou os altos escalões do governo que se formava. O Brasil teve o pior desempenho entre todos os países pesquisados. Com um agravante: não se tratava mais daqueles que nunca foram à escola, mas dos que iam e a frequentavam por dez ou mais anos seguidos, permanecendo semialfabetizados aos quinze anos de idade. Uma catástrofe do ponto de vista educacional.
É claro que as entrelinhas precisam ser lidas, e delas surgem ilhas de excelência, como algumas instituições Federais e Estaduais, e um grande número de escolas particulares, todas ombreando em qualidade de educação com o que há de melhor no assim chamado “primeiro mundo”. São as trincheiras de reprodução nossas classes dominantes, mas esse já é um outro assunto.
Do ponto de vista das políticas públicas, que deveriam ser prioridade em uma República, vários Programas foram lançados. De comum, traziam como principal característica aquilo que até hoje é marcante na nossa cultura: a ruptura com o ancien régime. Foram recebidos com aplausos e saudações de “agora vai” por diversos segmentos de nossa sociedade. Dos editores, que comemoraram a Lei do Livro com a promessa de que doariam um percentual de seu faturamento para incentivar a leitura (jamais concretizada), até os acadêmicos, que viam ali uma real perspectiva de mudança na Educação brasileira.
De concreto, não passaram de projetos. Alguns bem-intencionados, como o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) que, de concreto, jamais conseguiu atingir seus propósitos minimamente para ser encampado pelo Ministério da Educação. Ou de propaganda governamental, como o Viva Leitura, arquitetado antes, que derivava de uma falácia: contabilizava, “em tempo real”, milhões de ações de incentivo à leitura, compatíveis com um país de fábulas.
Anunciados com pompa e circunstância por governos que sucederam a si mesmos – e não tinham a quem culpar – acredito que esses Programas tenham sido responsáveis pelos sofismas que se construíram em torno da Leitura e a Educação brasileiras: nossas escolas resolveram as questões da desigualdade; a leitura é uma questão superada na nossa sociedade, e o Brasil é um país que lê.
Mas a realidade é insofismável: o PISA continua fornecendo um retrato cruel da nossa Educação. Alguns dados se deterioraram, como o analfabetismo absoluto e a evasão escolar. A defasagem de leitura no segundo segmento do Ensino Fundamental só emerge na porta do ensino superior e no aumento do desemprego. A falta de compreensão de leitura impacta diretamente o desenvolvimento das habilidades matemáticas, outro indicador sofrível de nossa Educação... O mundo estuda robótica enquanto adubamos a terra com cinzas.
As redes sociais são as grandes propulsoras da leitura no Brasil de hoje. É bem verdade que empregam uma língua diversa: a gramática – que é a linguagem da ciência – vai sendo sacrificada na construção de uma nova Língua. Mas os brasileiros leem e escrevem mais hoje do que nos anos 1990. Mesmo que os jornais tenham diminuído o espaço para os textos, os livros já não vendam como vendiam, ou não tenhamos tantos escritores como já tivemos.
Talvez por isso - ou talvez porque tenha ouvido tantas vezes que o Brasil estava “combatendo o analfabetismo funcional” - o assunto leitura saiu da pauta. Como já dizia Sartre, precisamos de alguém para demonizar...
Transformada em política partidária, provavelmente voltará à agenda em 2022. Talvez nem. E assim adentramos a terceira década do terceiro milênio.
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